quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sua verdadeira vocação: o jornalismo




Ele se considerava um marxista/cristão, dentro da linha de pensamento de Roger Garaudy, Luiz Maranhão Filho e Alceu de Amoroso Lima

Antônio Capistrano 
Ex-reitor da Uern
Especial para o Clandestino

Dorian Jorge Freire era bacharel em direito, mas sua verdadeira vocação sempre foi o jornalismo. Desde adolescente tinha o desejo e a necessidade de escrever. Em 1947 inicia essa atividade no jornal O Mossoroense. Atividade que vai lhe acompanhar até os últimos dias de sua vida. É um belo texto, faz gosto ler os seus escritos.

É na crônica que aos 14 anos dá o pontapé inicial no jornalismo, pontificando, neste estilo literário, como um dos grandes cronistas do Rio Grande do Norte, em condições de brilhar em qualquer jornal do Brasil, ao lado dos grandes nomes da crônica brasileira, como fez anos depois.

Cronista de mão cheia, ler as suas crônicas, nos dias de domingo, tornou-se para mim um hábito, posso até dizer, um vício. Ler a última página do caderno Expressão da GAZETA era um deleite. Estilo apurado, agradável, domínio completo das palavras com o seu uso correto, insubstituível. 

No dizer de Nilo Pereira, “Dorian dava beleza às palavras”. Dorian gostava de afirmar que era simplesmente um jornalista de província, modéstia; era um grande jornalista, trabalhou na grande imprensa junto aos mestres do jornalismo e da crônica. Retornou a sua terra por questões particulares, mas manteve o vínculo com os amigos do sul maravilha através da correspondência. 

No Rio Grande do Norte foi contemporâneo e amigo dos papas da crônica e do jornalismo: Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Jaime Hipólito Dantas, Woden Madruga, Vicente Serejo, Newton Navarro, Ney Leandro de Castro, Djalma Maranhão, Leonardo Bezerra, Agnelo Alves, Luiz Maranhão, Edgar Barbosa, Lauro da Escóssia.

Dorian marcou presença nas redações, pontificando sua inteligência e seu estilo apurado, levando experiência aos jovens que chegavam inexperientes às redações e tinham nele o exemplo do bom jornalismo; era o mestre orientando os aprendizes do oficio de redigir e do bem informar. 

Na nossa capital trabalhou no Diário de Natal e na Tribuna do Norte. No sudeste foi fundador, juntamente com Frei Carlos Josapha, do jornal “Brasil, Urgente”. Dorian já tinha passado pela redação do jornal Última Hora, do lendário Samuel Wainer, uma verdadeira faculdade de jornalismo, tendo como companheiros de redação nada menos do que Ignácio de Loyola Brandão, Nelson Rodrigues, Sérgio Porto e outros importantes jornalistas da imprensa nacional. Foi também repórter e redator da revista Realidade.

Essa trajetória no jornalismo mostra a competência de Dorian Jorge Freire e sua importância na atividade jornalística do nosso país. 

Voltando a sua província, na década de 70, retorna a O Mossoroense, jornal do seu aprendizado, início da sua vida na imprensa. Voltava como mestre na arte do jornalismo, respeitado e admirado pela inteligência do Estado. Depois pontificou no seu espaço na brava GAZETA DO OESTE, aonde escreveu até os últimos dias de sua vida.

Dorian era um leitor de primeira grandeza. A leitura era seu mundo, era um apaixonado pelos livros, conhecia como poucos, aqui na província, os mestres da literatura brasileira e universal. Outra característica da personalidade de Dorian era o seu humanismo, sua visão universalista das coisas; estava sempre atendo aos fatos, aos acontecimentos do cotidiano, não só com o olhar do repórter, mas, essencialmente, com a visão do humanista. Ele se considerava um marxista/cristão, dentro da linha de pensamento de Roger Garaudy, Luiz Maranhão Filho e Alceu de Amoroso Lima. Com Alceu manteve uma correspondência inteligente como não poderia deixar de ser.

A última vez que estive na sua residência, fui acompanhado pelos poetas e amigos, Clauder Arcanjo e Marcos Ferreira. Nessa visita, me pediu a biografia de Stalin, escrita por Dmitri Volkogonov, publicada em 2004, pela editora Nova Fronteira, um belo trabalho sobre a vida desse grande homem que ele tanto admirava. Dorian gostava de dizer que em Mossoró existiam dois stalinistas, eu e ele. Eu já o tinha presenteado com um excelente trabalho sobre Joseph Stálin, o livro do belga Ludo Martens com o titulo “Stalin: um novo olhar”, publicado em 2003 pela editora Revan. 

Dorian lia por prazer. Leitor incansável, apesar do seu estado de saúde, no final da vida, continuava atento às coisas do mundo, lúcido, informado dos acontecimentos, firme nas suas ideias, procurando se inteirar de tudo o que acontecia aqui e além mar. A sua pena faz falta nas redações de hoje; ética e compromisso com a verdade jornalística era sua marca.

Texto publicado na edição 18 do jornal CLANDESTINO

Foto: Arquivo do jornal GAZETA DO OESTE

Evocando Dorian Jorge Freire




Como bom mossoroense, vibrava lendo-lhe os textos de “Dia de Domingo”, artigo semanal produzido para a Tribuna do Norte

Tarcísio Gurgel
Escritor
Especial para o Clandestino

Haver conseguido de Dorian Jorge Freire autorização para selecionar artigos/crônicas dos incontáveis por ele produzidos, e enfeixá-los no livro a que, com sua aprovação, dei o título de Os Dias de Domingo foi, para mim, uma experiência das mais ricas e excitantes. Não é difícil entender: a princípio ele relutou em aceitar (o inevitável ceticismo quanto à competência de quem estava se lançando à empresa?) e eu sabia, naturalmente, que corria riscos. Mas estava absolutamente confiante de que o resultado final haveria de agradar a todos. Até a ele mesmo.

Devo dizer que nunca fiz parte do seu círculo de amigos mais próximos. Mas, juntamente com Jaime Hipólito Dantas, ele se tornara referência de talento para os da minha geração. E essa admiração respeitosa, não seria abalada sequer com os breves e irreverentes comentários de ambos quando da primeira encenação do espetáculo que, reescrito, se chamaria “Chuva de Bala no País de Mossoró”, ainda nos anos setenta. 

Como bom mossoroense, vibrava lendo-lhe os textos de “Dia de Domingo”, artigo semanal produzido para a Tribuna do Norte, e com a unânime admiração dos colegas natalenses. E, ante a constatação de que a sua notável produção corria o risco de ficar esquecida se não adquirisse a forma de livro – argumento que por certo pesou no processo de convencimento – lancei mão de uma amiga comum para os primeiros contatos: Maria Emília Wanderley. Maria Emília, de Berilo de Maria Emília. Sabia que era recurso infalível e usei-o descaradamente. E tive acesso a um rico material. E trabalhei sem qualquer interferência do autor, agora já confiante e, estou certo, lutando para não demonstrar qualquer tipo de vaidade. 

Hoje em dia já não se dá tanta importância a isto de estilo. Vivemos um tempo em que uma imensa quantidade de textos de não-escritores inunda a academia. Elaborados no mais das vezes após apressada assimilação de certos pressupostos teóricos e regras bibliográficas sem revelar, necessariamente, talento, tais textos promovem uma inevitável, monótona estandardização. E se oferecem – quase sempre – como uma colcha de retalhos de juízos fragmentários sob o zeloso – e quase sempre pouco criativo – olhar do orientador.

Tempo houve em que, a depender do talento de quem escrevia era possível imaginar-se a quantidade e a qualidade de livros lidos. Era o tempo de Dorian Jorge Freire. Por isso, ao trabalhar seus textos com meus alunos em sala de aula, fazia questão de trazer à discussão temas como inspiração e transitoriedade do texto jornalístico. O escritor Dorian independia da primeira e desmoralizava o sentido da segunda. E por quê? Obviamente porque aliava ao indiscutível talento para as letras, de que era possuidor, a um acervo de leituras que só uns poucos conseguiram atingir no Rio Grande do Norte.

Esse registro de que me orgulho não ficaria completo se não mencionasse também o entusiasmo do apoiador do projeto de edição de Os Dias de Domingo, o então livreiro/Reitor Gonzaga Chimbinho. E a capa de Marcelo Mariz. E a gostosa ilustração de Emanuel Amaral, ele, cigarro na mão – sentando sobre uma pilha de livros – a dedilhar freneticamente a sua máquina de escrever. Como não posso esquecer também que o livro (que viria a ser reeditado pela Coleção Mossoroense) praticamente se esgotou nos lançamentos de Natal (os jardins do Teatro Alberto Maranhão pequenos para tantos amigos e admiradores) e Mossoró. Não tendo participado desse último, curti no teatro tão querido a glória do mossoroense. E ri intimamente ao evocar a sucinta dedicatória que ele fizera num daqueles primeiros exemplares já confeccionados que fui levar até sua casa. Sem grandes expansões, quase graciliânico, ele pespegara no exemplar, hoje em poder de algum sócio meu – em lugar incerto e não sabido – a única dedicatória possível para o seu semiárido querer bem: “O culpado é você”.

Texto publicado na edição 18 do jornal CLANDESTINO.

Foto: Raul Pereira




A solidão da biblioteca



A solidão que está impregnada nos móveis, também pode ser sentida na entrada da biblioteca, sem o seu habitante de todos os dias

Mário Gerson
Repórter

Hoje, a biblioteca do jornalista Dorian Jorge Freire não tem mais seu habitante ilustre. Falecido em 24 de agosto de 2005, o escritor e cronista dos melhores que este Estado já teve deixou um importante legado literário. Foram dois livros de crônicas: Os Dias de Domingo – publicado pela editora da UFRN na década de 90 e Veredas do Meu Caminho, obra que mostra o lado filosófico do autor. O último foi publicado pela Coleção Mossoroense. 

Atualmente, poucos leem o velho Dorian. A Uern ainda não o tem entre os escolhidos para figurar no vestibular da entidade, mas os poucos leitores honram a memória do velho mestre. Seus livros possuem um encanto pleno de um escritor que sabe o que está escrevendo. 

Com o seu falecimento, ficaram os livros. A biblioteca desabitada. À entrada da casa, um jardim. A palmeira da velha residência não resistiu ao tempo. No quintal, a cajarana está florida, ainda sem frutos. Na cozinha, os filhos mantiveram a cadeira onde Dorian – todos os dias, como uma religião – lia os jornais do Estado e, nos finais de semana, alguns nacionais, como O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, além do velho e bravo Jornal do Brasil, fechado recentemente e hoje apenas visível através da internet.

Na porta da biblioteca, a imagem da organização. Os livros, bem dispostos, parecem que não são manuseados há algum tempo. Estão arrumados como se saíssem de uma catalogação. As estantes, reformadas, ganham ares de novidade. Mas o seu dono não está ali. Na solidão do espaço vazio, os livros do autor sobre a mesa relembram sua presença. Em pé, a obra Veredas do Meu Caminho, onde existe um retrato de Dorian na capa, é quem recepciona os visitantes; na mesa, a máquina de escrever, parada, sem papel, mas com tinta, ainda... Quando faleceu, o jornalista a deixou assim. 

Apenas um lápis dentro de um porta canetas denota que alguém, muito possivelmente, tentou homenageá-lo. Pacífico Medeiros, o fotógrafo, encosta-se a um canto da biblioteca e começa a fotografá-la. Por um instante, as imagens das antigas visitas ao mestre Dorian começam a surgir. “Jornalista tem que dizer a verdade”, gostava de repetir. Em suas crônicas, passou várias mensagens. Pena que muitos tenham ignorado. Preferem o outro caminho, o da perdição. Em um bloquinho, ainda hoje cheio de anotações, algumas frases de Dorian me surgem, quando Pacífico começa a apertar o botão mágico de sua máquina. Também a lembrança de vários momentos de conversas poucas, mas gratificantes. Enriquecedoras. Poderia dizer, até, aprendizados que valem por aulas e aulas. 

Eram autores debatidos. Eram assuntos que vinham. Da poesia à crônica. Por que não falar dos velhos repórteres? Relembrava as desventuras com Samuel Wainer, em Última Hora. Considerava Samuel um bom repórter, mas “um mal caráter”. Nos últimos tempos gostava de ler o L’osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, traduzido para o português. Trocamos publicações. Eu repassava-lhe o L’osservatore e ele os cadernos culturais do eixo Rio-São Paulo. Indicava e contra-indicava leituras. Alguns autores, para ele, eram intragáveis. Um julgamento de leitor voraz. Lia todos os dias. Sentado numa cadeira, passando as mãos frágeis e com dificuldade sobre as páginas dos jornais, indicava uma nota, comentava, econômico. Sorria. “Não acha?”. “Pode ser”. É melhor passarmos este lado.

Pacífico quer retratar o resto da casa, mesmo sem seu dono... passamos para outros aposentos e eu me sento, em algum lugar, lembrando que ali morou um autor digno de toda nossa admiração. Em frente, uma estátua de Dorian. Vários meninos ao redor. Pegam no livro de metal em suas mãos... não o conheceram. Não privaram de sua inteligência. No entanto, têm ali, em frente à Biblioteca Municipal, uma referência a ser seguida...

Dele, disse-me Padre Sátiro Dantas: “Uso uma frase de Humberto Bruening: Dorian só Deus entende”, brinca o sacerdote e amigo. “Foi sempre um católico progressista, de ideias avançadas, como muita gente de sua juventude. Era considerado comunista, mas nunca o foi. Era, isso sim, um socialista. Suas ideias, muitas vezes, eram incompreendidas por parte de algumas alas da igreja. Dom Portocarrero Costa o ajudou intelectual e espiritualmente”, declara Sátiro.

Ateu? Nunca. “Às vezes ele usava algumas expressões de interrogação, comum a qualquer pessoa. Questionava sobre o mal. Na suposta revolução de 64 teve de refugiar-se no mosteiro dos Dominicanos em São Paulo. Escapou e voltou para a sua cidade. Aqui, nos brindou com sua inteligência. A pontinha da ironia sutil”, finaliza, sorrindo, Padre Sátiro Dantas, leitor e amigo...

Dorian Jorge Freire... escritor, jornalista, cronista, homem de jornal. Viveu para o jornalismo...

Foto: Wilson Moreno - GAZETA DO OESTE