quinta-feira, 28 de junho de 2012

A solidão da biblioteca



A solidão que está impregnada nos móveis, também pode ser sentida na entrada da biblioteca, sem o seu habitante de todos os dias

Mário Gerson
Repórter

Hoje, a biblioteca do jornalista Dorian Jorge Freire não tem mais seu habitante ilustre. Falecido em 24 de agosto de 2005, o escritor e cronista dos melhores que este Estado já teve deixou um importante legado literário. Foram dois livros de crônicas: Os Dias de Domingo – publicado pela editora da UFRN na década de 90 e Veredas do Meu Caminho, obra que mostra o lado filosófico do autor. O último foi publicado pela Coleção Mossoroense. 

Atualmente, poucos leem o velho Dorian. A Uern ainda não o tem entre os escolhidos para figurar no vestibular da entidade, mas os poucos leitores honram a memória do velho mestre. Seus livros possuem um encanto pleno de um escritor que sabe o que está escrevendo. 

Com o seu falecimento, ficaram os livros. A biblioteca desabitada. À entrada da casa, um jardim. A palmeira da velha residência não resistiu ao tempo. No quintal, a cajarana está florida, ainda sem frutos. Na cozinha, os filhos mantiveram a cadeira onde Dorian – todos os dias, como uma religião – lia os jornais do Estado e, nos finais de semana, alguns nacionais, como O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, além do velho e bravo Jornal do Brasil, fechado recentemente e hoje apenas visível através da internet.

Na porta da biblioteca, a imagem da organização. Os livros, bem dispostos, parecem que não são manuseados há algum tempo. Estão arrumados como se saíssem de uma catalogação. As estantes, reformadas, ganham ares de novidade. Mas o seu dono não está ali. Na solidão do espaço vazio, os livros do autor sobre a mesa relembram sua presença. Em pé, a obra Veredas do Meu Caminho, onde existe um retrato de Dorian na capa, é quem recepciona os visitantes; na mesa, a máquina de escrever, parada, sem papel, mas com tinta, ainda... Quando faleceu, o jornalista a deixou assim. 

Apenas um lápis dentro de um porta canetas denota que alguém, muito possivelmente, tentou homenageá-lo. Pacífico Medeiros, o fotógrafo, encosta-se a um canto da biblioteca e começa a fotografá-la. Por um instante, as imagens das antigas visitas ao mestre Dorian começam a surgir. “Jornalista tem que dizer a verdade”, gostava de repetir. Em suas crônicas, passou várias mensagens. Pena que muitos tenham ignorado. Preferem o outro caminho, o da perdição. Em um bloquinho, ainda hoje cheio de anotações, algumas frases de Dorian me surgem, quando Pacífico começa a apertar o botão mágico de sua máquina. Também a lembrança de vários momentos de conversas poucas, mas gratificantes. Enriquecedoras. Poderia dizer, até, aprendizados que valem por aulas e aulas. 

Eram autores debatidos. Eram assuntos que vinham. Da poesia à crônica. Por que não falar dos velhos repórteres? Relembrava as desventuras com Samuel Wainer, em Última Hora. Considerava Samuel um bom repórter, mas “um mal caráter”. Nos últimos tempos gostava de ler o L’osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, traduzido para o português. Trocamos publicações. Eu repassava-lhe o L’osservatore e ele os cadernos culturais do eixo Rio-São Paulo. Indicava e contra-indicava leituras. Alguns autores, para ele, eram intragáveis. Um julgamento de leitor voraz. Lia todos os dias. Sentado numa cadeira, passando as mãos frágeis e com dificuldade sobre as páginas dos jornais, indicava uma nota, comentava, econômico. Sorria. “Não acha?”. “Pode ser”. É melhor passarmos este lado.

Pacífico quer retratar o resto da casa, mesmo sem seu dono... passamos para outros aposentos e eu me sento, em algum lugar, lembrando que ali morou um autor digno de toda nossa admiração. Em frente, uma estátua de Dorian. Vários meninos ao redor. Pegam no livro de metal em suas mãos... não o conheceram. Não privaram de sua inteligência. No entanto, têm ali, em frente à Biblioteca Municipal, uma referência a ser seguida...

Dele, disse-me Padre Sátiro Dantas: “Uso uma frase de Humberto Bruening: Dorian só Deus entende”, brinca o sacerdote e amigo. “Foi sempre um católico progressista, de ideias avançadas, como muita gente de sua juventude. Era considerado comunista, mas nunca o foi. Era, isso sim, um socialista. Suas ideias, muitas vezes, eram incompreendidas por parte de algumas alas da igreja. Dom Portocarrero Costa o ajudou intelectual e espiritualmente”, declara Sátiro.

Ateu? Nunca. “Às vezes ele usava algumas expressões de interrogação, comum a qualquer pessoa. Questionava sobre o mal. Na suposta revolução de 64 teve de refugiar-se no mosteiro dos Dominicanos em São Paulo. Escapou e voltou para a sua cidade. Aqui, nos brindou com sua inteligência. A pontinha da ironia sutil”, finaliza, sorrindo, Padre Sátiro Dantas, leitor e amigo...

Dorian Jorge Freire... escritor, jornalista, cronista, homem de jornal. Viveu para o jornalismo...

Foto: Wilson Moreno - GAZETA DO OESTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário