quinta-feira, 28 de junho de 2012

Sua verdadeira vocação: o jornalismo




Ele se considerava um marxista/cristão, dentro da linha de pensamento de Roger Garaudy, Luiz Maranhão Filho e Alceu de Amoroso Lima

Antônio Capistrano 
Ex-reitor da Uern
Especial para o Clandestino

Dorian Jorge Freire era bacharel em direito, mas sua verdadeira vocação sempre foi o jornalismo. Desde adolescente tinha o desejo e a necessidade de escrever. Em 1947 inicia essa atividade no jornal O Mossoroense. Atividade que vai lhe acompanhar até os últimos dias de sua vida. É um belo texto, faz gosto ler os seus escritos.

É na crônica que aos 14 anos dá o pontapé inicial no jornalismo, pontificando, neste estilo literário, como um dos grandes cronistas do Rio Grande do Norte, em condições de brilhar em qualquer jornal do Brasil, ao lado dos grandes nomes da crônica brasileira, como fez anos depois.

Cronista de mão cheia, ler as suas crônicas, nos dias de domingo, tornou-se para mim um hábito, posso até dizer, um vício. Ler a última página do caderno Expressão da GAZETA era um deleite. Estilo apurado, agradável, domínio completo das palavras com o seu uso correto, insubstituível. 

No dizer de Nilo Pereira, “Dorian dava beleza às palavras”. Dorian gostava de afirmar que era simplesmente um jornalista de província, modéstia; era um grande jornalista, trabalhou na grande imprensa junto aos mestres do jornalismo e da crônica. Retornou a sua terra por questões particulares, mas manteve o vínculo com os amigos do sul maravilha através da correspondência. 

No Rio Grande do Norte foi contemporâneo e amigo dos papas da crônica e do jornalismo: Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Jaime Hipólito Dantas, Woden Madruga, Vicente Serejo, Newton Navarro, Ney Leandro de Castro, Djalma Maranhão, Leonardo Bezerra, Agnelo Alves, Luiz Maranhão, Edgar Barbosa, Lauro da Escóssia.

Dorian marcou presença nas redações, pontificando sua inteligência e seu estilo apurado, levando experiência aos jovens que chegavam inexperientes às redações e tinham nele o exemplo do bom jornalismo; era o mestre orientando os aprendizes do oficio de redigir e do bem informar. 

Na nossa capital trabalhou no Diário de Natal e na Tribuna do Norte. No sudeste foi fundador, juntamente com Frei Carlos Josapha, do jornal “Brasil, Urgente”. Dorian já tinha passado pela redação do jornal Última Hora, do lendário Samuel Wainer, uma verdadeira faculdade de jornalismo, tendo como companheiros de redação nada menos do que Ignácio de Loyola Brandão, Nelson Rodrigues, Sérgio Porto e outros importantes jornalistas da imprensa nacional. Foi também repórter e redator da revista Realidade.

Essa trajetória no jornalismo mostra a competência de Dorian Jorge Freire e sua importância na atividade jornalística do nosso país. 

Voltando a sua província, na década de 70, retorna a O Mossoroense, jornal do seu aprendizado, início da sua vida na imprensa. Voltava como mestre na arte do jornalismo, respeitado e admirado pela inteligência do Estado. Depois pontificou no seu espaço na brava GAZETA DO OESTE, aonde escreveu até os últimos dias de sua vida.

Dorian era um leitor de primeira grandeza. A leitura era seu mundo, era um apaixonado pelos livros, conhecia como poucos, aqui na província, os mestres da literatura brasileira e universal. Outra característica da personalidade de Dorian era o seu humanismo, sua visão universalista das coisas; estava sempre atendo aos fatos, aos acontecimentos do cotidiano, não só com o olhar do repórter, mas, essencialmente, com a visão do humanista. Ele se considerava um marxista/cristão, dentro da linha de pensamento de Roger Garaudy, Luiz Maranhão Filho e Alceu de Amoroso Lima. Com Alceu manteve uma correspondência inteligente como não poderia deixar de ser.

A última vez que estive na sua residência, fui acompanhado pelos poetas e amigos, Clauder Arcanjo e Marcos Ferreira. Nessa visita, me pediu a biografia de Stalin, escrita por Dmitri Volkogonov, publicada em 2004, pela editora Nova Fronteira, um belo trabalho sobre a vida desse grande homem que ele tanto admirava. Dorian gostava de dizer que em Mossoró existiam dois stalinistas, eu e ele. Eu já o tinha presenteado com um excelente trabalho sobre Joseph Stálin, o livro do belga Ludo Martens com o titulo “Stalin: um novo olhar”, publicado em 2003 pela editora Revan. 

Dorian lia por prazer. Leitor incansável, apesar do seu estado de saúde, no final da vida, continuava atento às coisas do mundo, lúcido, informado dos acontecimentos, firme nas suas ideias, procurando se inteirar de tudo o que acontecia aqui e além mar. A sua pena faz falta nas redações de hoje; ética e compromisso com a verdade jornalística era sua marca.

Texto publicado na edição 18 do jornal CLANDESTINO

Foto: Arquivo do jornal GAZETA DO OESTE

Evocando Dorian Jorge Freire




Como bom mossoroense, vibrava lendo-lhe os textos de “Dia de Domingo”, artigo semanal produzido para a Tribuna do Norte

Tarcísio Gurgel
Escritor
Especial para o Clandestino

Haver conseguido de Dorian Jorge Freire autorização para selecionar artigos/crônicas dos incontáveis por ele produzidos, e enfeixá-los no livro a que, com sua aprovação, dei o título de Os Dias de Domingo foi, para mim, uma experiência das mais ricas e excitantes. Não é difícil entender: a princípio ele relutou em aceitar (o inevitável ceticismo quanto à competência de quem estava se lançando à empresa?) e eu sabia, naturalmente, que corria riscos. Mas estava absolutamente confiante de que o resultado final haveria de agradar a todos. Até a ele mesmo.

Devo dizer que nunca fiz parte do seu círculo de amigos mais próximos. Mas, juntamente com Jaime Hipólito Dantas, ele se tornara referência de talento para os da minha geração. E essa admiração respeitosa, não seria abalada sequer com os breves e irreverentes comentários de ambos quando da primeira encenação do espetáculo que, reescrito, se chamaria “Chuva de Bala no País de Mossoró”, ainda nos anos setenta. 

Como bom mossoroense, vibrava lendo-lhe os textos de “Dia de Domingo”, artigo semanal produzido para a Tribuna do Norte, e com a unânime admiração dos colegas natalenses. E, ante a constatação de que a sua notável produção corria o risco de ficar esquecida se não adquirisse a forma de livro – argumento que por certo pesou no processo de convencimento – lancei mão de uma amiga comum para os primeiros contatos: Maria Emília Wanderley. Maria Emília, de Berilo de Maria Emília. Sabia que era recurso infalível e usei-o descaradamente. E tive acesso a um rico material. E trabalhei sem qualquer interferência do autor, agora já confiante e, estou certo, lutando para não demonstrar qualquer tipo de vaidade. 

Hoje em dia já não se dá tanta importância a isto de estilo. Vivemos um tempo em que uma imensa quantidade de textos de não-escritores inunda a academia. Elaborados no mais das vezes após apressada assimilação de certos pressupostos teóricos e regras bibliográficas sem revelar, necessariamente, talento, tais textos promovem uma inevitável, monótona estandardização. E se oferecem – quase sempre – como uma colcha de retalhos de juízos fragmentários sob o zeloso – e quase sempre pouco criativo – olhar do orientador.

Tempo houve em que, a depender do talento de quem escrevia era possível imaginar-se a quantidade e a qualidade de livros lidos. Era o tempo de Dorian Jorge Freire. Por isso, ao trabalhar seus textos com meus alunos em sala de aula, fazia questão de trazer à discussão temas como inspiração e transitoriedade do texto jornalístico. O escritor Dorian independia da primeira e desmoralizava o sentido da segunda. E por quê? Obviamente porque aliava ao indiscutível talento para as letras, de que era possuidor, a um acervo de leituras que só uns poucos conseguiram atingir no Rio Grande do Norte.

Esse registro de que me orgulho não ficaria completo se não mencionasse também o entusiasmo do apoiador do projeto de edição de Os Dias de Domingo, o então livreiro/Reitor Gonzaga Chimbinho. E a capa de Marcelo Mariz. E a gostosa ilustração de Emanuel Amaral, ele, cigarro na mão – sentando sobre uma pilha de livros – a dedilhar freneticamente a sua máquina de escrever. Como não posso esquecer também que o livro (que viria a ser reeditado pela Coleção Mossoroense) praticamente se esgotou nos lançamentos de Natal (os jardins do Teatro Alberto Maranhão pequenos para tantos amigos e admiradores) e Mossoró. Não tendo participado desse último, curti no teatro tão querido a glória do mossoroense. E ri intimamente ao evocar a sucinta dedicatória que ele fizera num daqueles primeiros exemplares já confeccionados que fui levar até sua casa. Sem grandes expansões, quase graciliânico, ele pespegara no exemplar, hoje em poder de algum sócio meu – em lugar incerto e não sabido – a única dedicatória possível para o seu semiárido querer bem: “O culpado é você”.

Texto publicado na edição 18 do jornal CLANDESTINO.

Foto: Raul Pereira




A solidão da biblioteca



A solidão que está impregnada nos móveis, também pode ser sentida na entrada da biblioteca, sem o seu habitante de todos os dias

Mário Gerson
Repórter

Hoje, a biblioteca do jornalista Dorian Jorge Freire não tem mais seu habitante ilustre. Falecido em 24 de agosto de 2005, o escritor e cronista dos melhores que este Estado já teve deixou um importante legado literário. Foram dois livros de crônicas: Os Dias de Domingo – publicado pela editora da UFRN na década de 90 e Veredas do Meu Caminho, obra que mostra o lado filosófico do autor. O último foi publicado pela Coleção Mossoroense. 

Atualmente, poucos leem o velho Dorian. A Uern ainda não o tem entre os escolhidos para figurar no vestibular da entidade, mas os poucos leitores honram a memória do velho mestre. Seus livros possuem um encanto pleno de um escritor que sabe o que está escrevendo. 

Com o seu falecimento, ficaram os livros. A biblioteca desabitada. À entrada da casa, um jardim. A palmeira da velha residência não resistiu ao tempo. No quintal, a cajarana está florida, ainda sem frutos. Na cozinha, os filhos mantiveram a cadeira onde Dorian – todos os dias, como uma religião – lia os jornais do Estado e, nos finais de semana, alguns nacionais, como O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, além do velho e bravo Jornal do Brasil, fechado recentemente e hoje apenas visível através da internet.

Na porta da biblioteca, a imagem da organização. Os livros, bem dispostos, parecem que não são manuseados há algum tempo. Estão arrumados como se saíssem de uma catalogação. As estantes, reformadas, ganham ares de novidade. Mas o seu dono não está ali. Na solidão do espaço vazio, os livros do autor sobre a mesa relembram sua presença. Em pé, a obra Veredas do Meu Caminho, onde existe um retrato de Dorian na capa, é quem recepciona os visitantes; na mesa, a máquina de escrever, parada, sem papel, mas com tinta, ainda... Quando faleceu, o jornalista a deixou assim. 

Apenas um lápis dentro de um porta canetas denota que alguém, muito possivelmente, tentou homenageá-lo. Pacífico Medeiros, o fotógrafo, encosta-se a um canto da biblioteca e começa a fotografá-la. Por um instante, as imagens das antigas visitas ao mestre Dorian começam a surgir. “Jornalista tem que dizer a verdade”, gostava de repetir. Em suas crônicas, passou várias mensagens. Pena que muitos tenham ignorado. Preferem o outro caminho, o da perdição. Em um bloquinho, ainda hoje cheio de anotações, algumas frases de Dorian me surgem, quando Pacífico começa a apertar o botão mágico de sua máquina. Também a lembrança de vários momentos de conversas poucas, mas gratificantes. Enriquecedoras. Poderia dizer, até, aprendizados que valem por aulas e aulas. 

Eram autores debatidos. Eram assuntos que vinham. Da poesia à crônica. Por que não falar dos velhos repórteres? Relembrava as desventuras com Samuel Wainer, em Última Hora. Considerava Samuel um bom repórter, mas “um mal caráter”. Nos últimos tempos gostava de ler o L’osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, traduzido para o português. Trocamos publicações. Eu repassava-lhe o L’osservatore e ele os cadernos culturais do eixo Rio-São Paulo. Indicava e contra-indicava leituras. Alguns autores, para ele, eram intragáveis. Um julgamento de leitor voraz. Lia todos os dias. Sentado numa cadeira, passando as mãos frágeis e com dificuldade sobre as páginas dos jornais, indicava uma nota, comentava, econômico. Sorria. “Não acha?”. “Pode ser”. É melhor passarmos este lado.

Pacífico quer retratar o resto da casa, mesmo sem seu dono... passamos para outros aposentos e eu me sento, em algum lugar, lembrando que ali morou um autor digno de toda nossa admiração. Em frente, uma estátua de Dorian. Vários meninos ao redor. Pegam no livro de metal em suas mãos... não o conheceram. Não privaram de sua inteligência. No entanto, têm ali, em frente à Biblioteca Municipal, uma referência a ser seguida...

Dele, disse-me Padre Sátiro Dantas: “Uso uma frase de Humberto Bruening: Dorian só Deus entende”, brinca o sacerdote e amigo. “Foi sempre um católico progressista, de ideias avançadas, como muita gente de sua juventude. Era considerado comunista, mas nunca o foi. Era, isso sim, um socialista. Suas ideias, muitas vezes, eram incompreendidas por parte de algumas alas da igreja. Dom Portocarrero Costa o ajudou intelectual e espiritualmente”, declara Sátiro.

Ateu? Nunca. “Às vezes ele usava algumas expressões de interrogação, comum a qualquer pessoa. Questionava sobre o mal. Na suposta revolução de 64 teve de refugiar-se no mosteiro dos Dominicanos em São Paulo. Escapou e voltou para a sua cidade. Aqui, nos brindou com sua inteligência. A pontinha da ironia sutil”, finaliza, sorrindo, Padre Sátiro Dantas, leitor e amigo...

Dorian Jorge Freire... escritor, jornalista, cronista, homem de jornal. Viveu para o jornalismo...

Foto: Wilson Moreno - GAZETA DO OESTE

terça-feira, 29 de maio de 2012

Um Borges à brasileira


Tarcísio Gurgel em foto de Rodrigo Sena - Tribuna do Norte


Tarcísio Gurgel é mossoroense. Mas, antes de tudo, é um cidadão do mundo. E foi com esse cidadão do mundo, autor de Os de Macatuba (Contos, 1975), Pais, Filhos e Espírito da Coisa (Ensaio, 1988) O Eterno Paraíso (Contos, 1978), Conto por Conto (Contos, 1998), Informação da Literatura Potiguar (Ensaio, 2001), que travamos uma conversa. Munidos de gravador, perguntas e curiosidades, escutamos o nosso conterrâneo, Professor, Contista e Ensaísta que é considerado, atualmente, um dos mais conceituados críticos literários do nosso Estado.
Nos recebeu na sua sala, no Departamento de Letras da UFRN. Ali, diante de nós, estava o autor de Informação da Literatura Potiguar e de Os de Macatuba... Sentado, descontraído, interessado em nos prestar todas as informações, verificávamos um Borges à brasileira, nos tratos, nos gestos, nas observações. 

JORNAL CLANDESTINO - Quem é Tarcisio Gurgel, o escritor?
TARCÍSIO GURGEL - Tarcísio Gurgel, o escritor, é, antes de tudo, um apaixonado pela literatura, um escritor que sempre tem em mente que para escrever corretamente tem que ler boa literatura, tem que aprender com  os clássicos, tem que voltar à leituras já feitas, sobretudo no campo da poesia, e que tem também, de uma certa maneira, uma responsabilidade para com a literatura do Rio Grande do Norte.

JC - Seu livro de contos, Os de Macatuba, poderia receber outro título: Os de Mossoró?
A nossa tendência natural é sempre buscar uma referencialidade no campo do real, obviamente, sendo eu de Mossoró e as histórias dizendo respeito a uma cidadezinha que é um microcosmo onde se movimentam essas personagens, pessoas que estão num universo muito opressivo e cheio de situações tristes e humilhantes, por vezes, as pessoas logo imaginam que é uma representação clara e objetiva. Ora, como a minha cidade, existem mil outras cidades no mundo... há um livro no RN, uma bela ficção de um escritor chamado Aurélio Pinheiro, cujo título é Macau, onde ele retrata exatamente a cidade que tem esse nome. Mas é preciso levar em conta que esse referencial que se busca, muitas vezes, na realidade (Não cometeria a inverdade de dizer que meus primeiros exemplos são mossoroenses, claramente são), quando entram no campo da literatura, perdem essa referencialidade, se o tratamento for adequadamente literário, claro.

JC - Os de Macatuba, é um romance fragmentado?
Não. Embora, talvez por um ato falho, eu tenha deixado transparecer essa minha grande frustração. Na verdade, gostaria de ser um romancista, da mesma maneira que gostaria de ser um poeta; nunca consegui me desempenhar bem no romance. Nem chegaram a existir tentativas de romance pra valer; chegaram a existir tentativas de poesia, essas realmente foram desastrosas. No entanto esse livro de contos tem uma indisfarçável busca de unidade. Se observarmos os meus dois outros livros de contos, o Eterno Paraíso e Conto por Conto, veremos que eles são ecléticos, do ponto de vista estilístico, as histórias, etc... Os de Macatuba, não. Os de Macatuba tem uma unidade. As pessoas que tem lido e feito algum comentário acerca desse livro, consideram que a personagem é a própria cidade que, dando essa unidade, dá a falsa impressão de ser um romance, porque aqui e acolá existem referências, ora de personagens, ora de ambientes, ora de assuntos em contos diferentes; eles remetem uns para os outros, de modo que, às vezes, dar essa impressão.

JC - Informação da Literatura Potiguar, seu último livro, é um dos melhores ensaios já produzidos sobre a literatura do nosso Estado. Foi laborioso, esse trabalho?
Foi. Foi porque eu diria que faz uns bons trinta anos que me dedico ao estudo da literatura do Rio Grande do Norte. De um modo sistemático, isso se reduz para uma coisa em torno de uns quinze a vinte anos. O livro deve ter levado, para ser escrito, propriamente, uns cinco anos, até ficar pronto para ir para a livraria. Mas é um tipo de livro que você publica já com a sensação de que ele está superado. Isso tem uma certa magia, a literatura, e os estudos literários tem esses grandes desafios jamais superados, que é isso de você... por exemplo, eu estou diante de três produtores de literatura de Mossoró, dos quais apenas Cid augusto e Gustavo Luz, de passagem, são citados nesse livro. Marcos, você mesmo, essa menina que é uma cronista maravilhosa (Líria Nogueira) do mossoroense... As minhas idas à Mossoró, agora, estão me dando a verdadeira dimensão da produção literária da cidade. Digo isso com absoluta naturalidade. Eu tinha a certeza que, ao publicar o livro, já teria, talvez atrevidamente, porque a edição, inclusive, ainda não se esgotou, a sensação de que precisaria se pensar numa segunda edição atualizada. E isso é uma coisa que eu pretendo, quem sabe, o ano que vem.

JC - Como o senhor vê a atual literatura norte-rio-grandense, no momento?
Vejo com muito entusiasmo e com a perspectiva concreta de uma descentralização, dessa coisa da visão natalense da realidade da literatura do Rio Grande do Norte, que é um vício derivado de uma situação concreta, sociológica, histórica, econômica que remonta para os anos vinte, se tomarmos como referência a famosa antologia de Ezequiel Wanderley, Poetas do Rio Grande do Norte, onde há escritores do RN, mas com a exceção mossoroense de Martins de Vasconcelos e, possivelmente, de Edinor Avelino que já se encontrava em Macau; provavelmente, Palmério, em Assu... os outros escritores estavam localizados em Natal. O que é que isso indica? Indica a perversa realidade de que Natal, na verdade, era o centro da história e que, isoladamente, aqui e acolá, um escritor de algum talento e com uma obra em construção, que muitas vezes não se materializava em forma de livro, permanecia um pouco que esquecido no interior. Hoje, já se vê que a coisa é diferente. Há uma produção concreta, há uma produção nova, instigante, da qual, certamente, faz parte essa iniciativa de vocês, do jornal, que, sempre em juízo de outras contribuições ao próprio movimento literário da cidade, como a que faz o mossoroense já a algum tempo, representa uma coisa nova, uma coisa instigante, uma coisa que, com certeza, irá fazer com que novos escritores, cada vez mais interessantes, vão surgindo na cidade. Com certeza, desse trabalho resultará isso aí. A minha impressão atual da literatura do RN é o mais animador possível.  Acho que estamos trabalhando com bons autores. O desenvolvimento do censo crítico, de uns tempos para cá, eu diria a partir dos anos 60, já se verifica, de uma maneira muito clara. São muitos os escritores e os poetas que estão se lançando na maturidade. Isso dá a dimensão de que está muito viva a literatura do RN; no entanto, é preciso que não tenhamos ilusões quanto à pobreza do movimento editorial, sobretudo do ponto de vista da atuação do Estado, estimulando, acolhendo os novos autores, porque o que está acontecendo no RN, e isso, talvez, se se analisar com frieza, não seja de todo ruim, porque elimina, de vez por todas, aquela coisa do apadrinhamento; mas é gente que, isoladamente, vai fazendo o trabalho. Aqui em Natal temos o Abimael Silva, que é uma espécie de sucessor particular de Vingt-un; Vingt-un, aquele monumento mossoroense, nacional, eu diria, passando por cima do próprio Estado, infatigável, fazendo aquele trabalho e se antecipando. Lembro-me que há uns três anos Vingt-un publicou as atas de província... o Estado ignorou solenemente isso, durante quase duzentos anos! Ele é tão impressionante que sente as coisas... Vingt-un publicou, em fac-símile, vários números da Revista Oásis, que era uma das publicações mais importantes da chamada belle époque natalense, e ninguém aí sabe disso, ou deu conta... são essas coisas que, afinal de contas, deixa a gente muito otimista, embora o Governo e as prefeituras estejam quase sempre à margem desse processo, se bem que não surpreende que seja assim, salvo algumas poucas, raríssimas exceções, essas pessoas são analfabetas, literariamente falando. Não tem porque também agora querermos esconder. As exceções existem, mas, infelizmente, não tem podido ter uma atuação. Nós teríamos condições, com certeza, se essas pessoas tivessem em locais decisórios, de termos um resgate. Sou capaz de citar para vocês, agora, quinze títulos importantes da literatura do RN que estão esgotados. Entende? Quem sabe, daqui a algum tempo, alguma coisa de diferente aconteça e isso venha a ser resgatado?

JC - Qual a influência do Modernismo em seus textos?
Do modernismo, enquanto movimento, confesso que não vejo, nitidamente, influências. Com certeza no campo da linguagem sou uma pessoa influenciada pelo cinema, pelo teatro, pelo rádio, nisso que a teoria da literatura chama de intertextualidade, esse uso quase indiscriminado da linguagem como que revitalizando uma forma de narrativa que teria parado, em termos de qualidade, em Machado de Assis e em Maupassant. E se nada de novo viesse a ser feito, acho que o conto estaria estagnado. O grande desafio para o conto moderno foi exatamente isso. Por exemplo: no campo do romance consideraríamos a chegada da sísmica do Joyce, com Ulysses, que virou o romance de cabeça para baixo, e que no conto encontramos, entre os escritores mais ousados, modernamente falando, autores se nutriram sempre dessa viragem que surge, quando desponta a modernidade, também nos outros meios de comunicação.

JC - Como você se sentiu quando Os de Macatuba e Conto por Conto foram escolhidos para dois vestibulares?
Esse livro, Os de Macatuba, foi premiado com o Concurso Câmara Cascudo. Nesse tempo eu era balconista da Livraria Universitária, e convidado por Sanderson Negreiros fui assessorá-lo na Fundação José Augusto. Sem que eu soubesse de todo, a Fundação José Augusto no ano seguinte editaria Os de Macatuba. Com um texto nas orelhas que não aparece na segunda e na terceira edição, e que vai aparecer agora, não como uma orelha, mas como um texto que eu decidi resgatar para a história, numa edição que a A.S Livros, juntamente com a A.S Editores, irá relançar este ano no Projeto Letras Potiguares, que é composto de um conjunto de dez livros em prosa. Bem, como ia dizendo,esse texto foi escrito por Dailor Varela, que era um texto da mais absoluta provocação. Um texto que dizia assim, na sua parte mais veemente: de uma certa maneira Os de Macatuba inaugura o moderno conto do Rio Grande do Norte, porque o que havia era uma narrativa convencional, etc... Com o nosso Newton Navarro, uma das mais importantes figuras da cultura do RN, que tem dois livros de contos fantásticos, um dos quais, pessoalmente, considero uma pequena obra prima, que é Os Mortos São Estrangeiros, se instaura uma certa polêmica... O outro livro dele se chama o Solitário Vento de Verão, um belo livro que foi lançado na época, com um ano de diferença do Aprendiz de Camelô, de Jaime Hipólito Dantas. Newton Navarro se sente absolutamente atingido por conta desse comentário de Dailor Varela e, entre outras alegações, lembra que o livro dele Os Mortos São Estrangeiros, o que era uma verdade, que tinha obtido um maior reconhecimento. Inclusive escritores como Érico Veríssimo haviam escrito cartas para ele, fazendo elogios ao livro, etc... e que aquilo lá (o comentário de Dailor) era inaceitável. Essa indignação de nosso querido Newton Navarro, só fez bem a Os De Macatuba, porque se instaurou uma espécie de polêmica num suplemento que havia aqui no Poty... Num domingo alguém escrevia se solidarizando com Newton Navarro, noutro domingo, alguém que comungava das mesmas idéias estéticas que eu, escrevia em defesa de Os de Macatuba. E nisso foram uns três meses. Um pouco mais adiante o livro é escolhido para a Federal. O que aconteceu em Mossoró com o outro, Conto por Conto. E aí entra a sua pergunta. Eu me senti envaidecido, uma coisa que me deixou muito feliz, mas, ao mesmo tempo, preocupado. O Tarcísio Gurgel foi escolhido duas vezes para figurar com dois livros; Jorge Fernandes, ao que saiba, não foi; Newton Navarro, que citei há pouco, que eu saiba, não foi; Zila Mamede, ao que saiba nunca figurou num vestibular do RN; Policarpo Feitosa, Luis Carlos Guimarães, Auta de Souza, Ferreira Itajubá, Madalena Antunes Pereira, Ney Leandro... então, qual é o critério que adotam os nossos professores de literatura para trabalharem com a escolha? Parece-me que as comissões que preparam vestibular no RN precisam descobrir a literatura do RN. Vamos chamar a atenção para esses outros escritores! Não é possível que o autor do RN continue a margem dos vestibulares que são realizados, tanto na Federal, como na Estadual e também nas demais faculdades particulares, por que não? E chega até ser uma falta de decência não colocar esse autor que eu vou citar agora: Dorian Jorge Freire, que é um estilista de marca maior. Não há no RN, atualmente, quem escreva como Dorian!

JC - Você acha a poesia atualmente produzida no RN, medíocre?
Não. A minha posição em relação à poesia é a de que a poesia de qualidade transcende questões tão pequenas quanto estilo, época... 

JC – Qual a influência dos jornais na literatura?
Ultimamente a influência e o espaço destinado, inexistem. Mossoró dar de dez a zero nisso. O Mossoroense, essa iniciativa de vocês com o Clandestino... Vocês sabem que há pouco suspenderam a circulação de O Galo, que era um jornal que tinha uma tradição de cerca de dez anos. Eu diria que os estertores dessa acolhida da literatura nos jornais locais aconteceram ainda nos anos 60 e, provavelmente, o último suplemento literário que circulou em Natal foi o suplemento Contexto; permitam a franqueza, foi um suplemento criado por mim que o editei durante alguns meses e que passou a ser mais bem editado quando J. Medeiros o assumiu, fazendo uma revolução visual no suplemento. Na verdade é uma lição que foi, definitivamente, esquecida pela imprensa do RN. O tempo áureo dessa história foi a belle époque. Alguns jornais da época acolhem a literatura: o jornal A República, A Revista do RN, do Centro polimático, a revista cultural Oásis e A Tribuna, que, penso, era o melhor deles todos. Na Tribuna escreviam Henrique Castriciano, Segundo Wanderley, Antônio Marinho, Auta de Souza, Sebastião Fernandes, Ezequiel Wanderley. Os poemas mais expressivos de Horto são lançados no jornal A Tribuna. A Tribuna publicava inéditos de Auta de Souza. Henrique Castriciano obtinha dela e levava para A Tribuna. 

JC - Você acha que a lei câmara cascudo está cumprindo o seu papel de fomentadora da cultura?
Eu sou contra as leis culturais. E digo com toda a clareza: acho que o Governo deveria definir uma linha de crédito e obrigar as instituições bancárias a abrirem suas portas à área cultural, de tal maneira que esse crédito fosse destinado aos escritores. O artista devia, sim, ter a possibilidade de chegar e dizer: “Olha, preciso de cinco mil reais para editar esse livro!” É uma operação comercial, bancária, comum... Então fica essa história desse paternalismo nojento, humilhante, essa coisa de achar que criou uma lei e resolveu o problema. 

JC - Para você o que significa o ato de ler e o de escrever?
Considero o ato de ler uma das conquistas mais fantásticas da humanidade. Esse ler deve se tomar, naturalmente, latu sensu. A primeira leitura que se faz aí é uma leitura de mundo. O homem saindo da caverna, verifica que tem um animal agressivo ali na frente e recua; com o mínimo de razão se protege. O ato de ler dar a possibilidade para um sujeito que está numa pequenina cidade, num quarto de uma casa modesta, viajar pelo mundo todo, e abrir perspectivas para ele próprio sair desse ambiente e ocupar outros ambientes. Tenho acompanhando casos de pessoas que tem crescido na vida pela via exclusiva da leitura. Não paramos nunca de estudar. E esse estudar para mim significa ler. Nunca me contentei com a coisa do professor. E digo para meus alunos: olha, se vocês acreditam pura e simplesmente aqui na sala de aula, muito provavelmente vocês estão enganados, porque eu posso estar dizendo uma série de mentiras com um certo charme e vocês acharem que é isso mesmo. Vocês têm que procurar no livro se eu estou certo ou não, e estudar etc. Escrever, para mim, é um ato de extrema responsabilidade civil.

JC – Que você tem a dizer para o Clandestino?
É de experiências como as do Clandestino que pode surgir, quem sabe, uma renovação instigante na literatura de Mossoró, na medida em que vocês estão fazendo um trabalho que decorre naturalmente de um outro já executado há algum tempo pelo Mossoroense... O trabalho do Clandestino, é um trabalho voltado à literatura e tem a possibilidade de explorar tendências estéticas as quais vocês estão experimentando.


Entrevista publicada na edição número 8, do jornal Clandestino, junho de 2003.

Raimundo Soares de Brito (por ele mesmo)



Raimundo Soares (foto: Ricardo Lopes), durante lançamento do livro Eu, Ego e os outros


As letras têm-nos dado, a nós, do Jornal Clandestino, emoções inestimáveis. Uma delas aconteceu durante uma visita a Dorian Jorge Freire, quando, presentes em sua biblioteca, nos deparamos com os arquivos do Brasil, Urgente. Era a história ali, viva, encarnada, ou melhor, empapelada, diante de nós!
Emoção não menos arrebatadora ocorreu em 22 de março deste 2003, quando fomos à casa de Raimundo Soares de Brito, intencionalmente armados para uma conversa cuja pauta não extrapolaria os limites literários.
Antes, porém, de compartilhar essa conversa, saibamos – já que muitas pessoas, inclusive mossoroenses, não o conhecem – um pouco sobre sua vida.
Raimundo Soares de Brito nasceu em Caraúbas, em 23 de abril de 1920. Desde cedo interessou-se em pesquisar, primeiro os tipos populares, depois biografias e fatos de que tomava conhecimento através dos jornais, os quais ele chama, apropriadamente, de “minhas muletas”. Já publicou quase cinqüenta obras, entre as quais se destacam Nas garras de Lampião e Apostilha do afeto: Câmara Cascudo (Cartas a Raimundo Nonato), ambas editadas pela Coleção Mossoroense, comandada pelo também incansável professor Vingt-Un Rosado. É cidadão mossoroense, dr. Honoris Causa da UFRN e está na iminência de receber, neste 23 de abril, o título de cidadão natalense.
Transcrevemos, a seguir, a entrevista gentilmente cedida pelo pesquisador e pelo seu secretário Misherlany Gouthier aos editores do Clandestino:

JORNAL CLANDESTINO: O que o senhor tem a dizer acerca de seu último livro sobre os patronos de ruas de Mossoró?
RAIMUNDO SOARES: Eu acho que essa é a última resposta que eu quero falar. Porque esse livro tem me dado um trabalho muito grande e é talvez com ele que eu vou encerrar minha carreira. Eu não tenho vontade de publicar livros; eu tenho mais vontade de escrever, guardar... Não tenho pressa em escrever.

JC: Há quantos anos o senhor vem trabalhando com esse livro?
RS: Há mais de quarenta anos. Pesquisando... Alguém pode perguntar se é muito tempo. É muito tempo, mas para um trabalho desse eu acho pouco, ainda. Acho pouco porque todos os dias estão surgindo novas ruas. Quando eu comecei a escrever esse livro, quais as estatísticas das ruas, Misherlany?
MG: Havia pouco mais de cem ruas.
RS: E hoje, são quantas?
MG: São quase duas mil ruas.
RS: Duas mil ruas... Aí vemos a evolução da cidade, como ela cresceu e como vem crescendo. Todos os dias são novas ruas, novos bairros. É um serviço muito grande, mas para mim, que gosto do assunto, é um passatempo. Se eu terminar de escrever e publicar, para mim perdeu a graça. Eu perco o meu divertimento.

JC: Nesse caso, a História é, para o senhor, um divertimento?
RS: É um divertimento, um passatempo! É um hobby, porque aquilo que a gente faz com prazer é o que é bom. Às vezes me perguntam: “Por que o senhor escreve tanto?” e eu não sei responder. Só sei dizer que escrevo por prazer. Se fosse por dinheiro, eu não escreveria, não.

JC: E o seu livro sobre a Academia Mossoroense de Letras?
RS: è outro que já está quase concluído.

JC: O senhor acha que esse livro é uma obra crucial para a Academia?
RS: Não, eu não diria isso. Eu digo o seguinte: é essencial para quem quer conhecer a literatura do Rio Grande do Norte, conhecer as pessoas e os literatos, porque nele está contada a história dos patronos e acadêmicos, toda a história literária da Academia. Aliás, não só da Academia, mas do Rio Grande do Norte, porque uma vez que eu falo sobre um patrono ( não estou falando dos acadêmicos, mas dos patronos, dos que já morreram), a história dele, quem foi ele, quantas obras publicou, eu estou dando informações para quem quer conhecer a literatura.

JC: Qual o processo que o senhor usa para arquivar as suas obras e as suas pesquisas? Como o senhor maneja tanto material?
RS: É outra pergunta difícil de responder, porque eu levei a vida – até ontem, vamos dizer assim – a juntar papel, a escrever, a rabiscar, a anotar... Só acumulando. Hoje, eu estou fazendo uma revisão em tudo isso, selecionando, juntando e organizando por assunto. São muitos anos de juntar papel, de anotar... Estamos organizando os assuntos em ordem alfabética.

JC: O senhor tem, em média, quantos arquivos?
RS: Mais de quinze mil arquivos, incluindo pessoas, cidades... História compreende fatos e pessoas.

JC: Há mais arquivos de pessoas ou de fatos?
RS: Há mais biografias.

JC: O senhor tem arquivo de algum de nós que estamos aqui?
RS: É possível.

JC: Pensemos na seguinte suposição: se um dia o senhor chegar a se impossibilitar de trabalhar com a história, qual o destino do seu arquivo? O que será do seu arquivo, se o senhor chegar a cansar, a não poder mais?
RS: Essa pergunta, além de difícil, é dolorosa, porque uma coisa que me preocupa muito é esse monte de papel que eu tenho aí. Às vezes, eu fico pensando: será que quando eu morrer, as traças vão comer?

JC: Mas, hoje em dia, não há nenhum órgão público que queira ajudar o senhor, catalogando esse material? Ninguém lhe procurou para criar um espaço ou se manifestou em relação a isso?
RS: É muito difícil. Existem alguns planos. Por exemplo, na minha família já existe alguma coisa. A minha filha está ciente do valor que eu dou a essa papelada. Ela sabe disso e já me garantiu que eu não tivesse cuidado, pois ela tomaria de conta disso tudo. É tanto que eu não tenho muita pressa em escrever, porque eu devo deixar muitos trabalhos inéditos.

JC: E a sua relação com os intelectuais de Mossoró? O senhor poderia falar mais sobre isso?
RS: Não, a minha relação com eles é boa, muito boa.

JC: O senhor se considera um escritor?
RS: Eu? Não.

JC: Por quê?
RS: Me chamam de escritor, mas eu acho o termo muito pesado. É uma responsabilidade muito grande para mim. Não me considero escritor. Para mim, escritor é o homem que vive do que escreve, os profissionais. Eu, eu sou um diletante. Agora, pesquisador eu sou. Esse título eu não dou nem a você nem a ninguém, porque esse eu tenho. Durante vinte e quatro horas por dia, eu estou pesquisando. Quando vocês chegaram, eu estava pesquisando lá dentro, sozinho, organizando, revisando coisas. E quando vocês saírem daqui, eu vou para lá, continuar o meu serviço. Quer dizer, essa é que é a minha vida, diariamente. E faço isso com satisfação, com prazer. Se fosse por obrigação, eu não faria. Faço porque gosto.

JC: O senhor tem duas obras que estão em andamento. Mas, segredando, existe alguma coisa guardada, com exceção desses dois livros?
RS: Eu mando esse rapaz responder, porque ele está acompanhando tudo.
MG:  Ele tem três volumes de livros de memórias, um sobre a história da Medicina no Rio Grande do Norte, um sobre os parlamentares norte-rio-grandenses, um sobre tipos populares e outros mais.
RS: Na cidade onde eu nasci, eu conheci os primeiros tipos populares. Foi quando eu tomei interesse. Por onde eu ando, Natal, Mossoró, Fortaleza, eu vou escutando e sempre fazendo anotações sobre os tipos populares.

JC: Então, a sua paixão pela pesquisa vem desde muito cedo?
RS: Sim, desde muito cedo.

Logo após, o pesquisador nos convidou para conhecer seus arquivos, seu ambiente de trabalho. Apresentou-nos Eu, ego e os outros, o livro sobre os tipos populares, e Páginas arrancadas, obra de memórias. Referindo-se a um fato curioso – o de que esperou 40 anos para dar uma informação a uma conhecida, o que mostra sua implacável paciência – disse-nos: “A História espera. Tudo tem seu devido momento.” ... E haja emoção! Emoção esta que será ainda maior quando todos souberem valorizar os grandes homens de sua terra, mirando-se no exemplo que eles têm dado a tantas gerações.

Entrevista publicada em abril de 2003, no número 6 do jornal Clandestino, com colaboração de Kalliane Sibelli de Amorim e Misherlany Goutier.

Caros amigos...


William Faulkner datilografando calmamente e sem camisa


O grande escritor e Prêmio Nobel de Literatura, William Faulkner, dizia: “O escritor não precisa de liberdade econômica. Necessita de lápis e papel. Eu jamais soube de qualquer escrito bom que tenha decorrido do fato de o autor ter aceitado qualquer presente de dinheiro. O bom escritor jamais solicita subsídio a qualquer instituição cultural. Está sempre ocupado escrevendo alguma coisa”. (Escritores em Ação, As famosas entrevistas à Paris Review, Paz e Terra, 1982). Para Faulkner, o autor deve se preocupar com sua literatura, com seu texto. Essa ideia vale também para os jornais culturais, que devem estar focados na preocupação de oferecer ao leitor bons textos e matérias interessantes, atemporais, que sejam lidas em todos os lugares e em qualquer momento e estejam, mesmo com o passar dos anos, sempre atuais.
O desafio de Faulkner, de abster-se do trabalho feito a partir de subsídios oficiais, também move, até os dias de hoje, o jornal cultural Clandestino, que chega à sua vigésima segunda edição com a mesma proposta inicial: um jornal alternativo, sem oficialismos e a serviço da promoção e difusão da literatura alternativa brasileira, aquela que não chega às páginas dos jornalões nacionais, porém, mesmo enfrentando as dificuldades comuns a publicações do gênero, acabam por abranger o seletivo grupo daqueles que realmente pensam a cultura fora dos padrões oficiais e das chamadas manifestações de massa.
Movidos por essa premissa, sempre na contramão da chamada “cultura oficial”, longe dos holofotes das grandes editoras, o Clandestino acaba de dar mais um passo crucial na sua história de conquistas e de muitas lutas: é, agora, filiado à Federação Brasileira de Alternativos Culturais (FEBAC), com sede em São Paulo e abrangendo quase todo o País, tendo, em seu cadastro, publicações alternativas, fanzines, jornais, site e revistas que trabalham com conteúdo totalmente cultural.
Essa conquista, que chega no ano em que o Clandestino completará dez anos de existência, se constitui na soma de esforços de todos aqueles que, durante todos esses anos, estiveram conosco, colaborando, escrevendo, adquirindo ou incentivando, com palavras, gestos e ações nossa publicação, uma publicação voltada exclusivamente para a cultura, a literatura e a boa arte.
Está à frente de um jornal como o Clandestino não se configura, em nada, em ter a obrigação de fazer um periódico, mas, acima de tudo, na satisfação de oferecer ao leitor exigente um produto que esteja à altura dos melhores paladares, por assim dizer.
Editar, distribuir, escrever e, acima de tudo, construir uma história literária ao lado de novos autores é uma descoberta constante, um aprendizado que nos move para colocarmos nas ruas mais e mais jornais, para publicarmos mais e mais autores, para festejarmos ainda com maior intensidade a literatura que, por um motivo ou outro, acaba por não chegar a outros públicos. Fazer isso, participar do momento da construção de uma ideia, distribuir autores, nas nossas doze páginas, sempre econômicas e bem ocupadas, é uma satisfação que, a bem da verdade, não tem preço. Participar, vale frisar, da revelação de um jovem autor, de uma nova autora, de um novo poeta ou mesmo abrir o espaço para uma peça que poucos viram, para a publicação de um conto de um escritor estreante é algo que nos motiva a continuar seguindo em frente, olhando sempre adiante, mesmo que, em alguns momentos, nos sintamos fora da terra, como o albatroz de Baudelaire, mas sempre, e em todos os momentos, conscientes de nosso papel quando o que nos estimula é o desejo de sermos, também, como aquela ave, senhor dos ares!
A todos, nossa calorosa saudação e desejos de uma boa leitura.
Uma vez Clandestino, sempre Clandestino! 

Mário Gerson
Editor/Fundador