terça-feira, 29 de maio de 2012

Raimundo Soares de Brito (por ele mesmo)



Raimundo Soares (foto: Ricardo Lopes), durante lançamento do livro Eu, Ego e os outros


As letras têm-nos dado, a nós, do Jornal Clandestino, emoções inestimáveis. Uma delas aconteceu durante uma visita a Dorian Jorge Freire, quando, presentes em sua biblioteca, nos deparamos com os arquivos do Brasil, Urgente. Era a história ali, viva, encarnada, ou melhor, empapelada, diante de nós!
Emoção não menos arrebatadora ocorreu em 22 de março deste 2003, quando fomos à casa de Raimundo Soares de Brito, intencionalmente armados para uma conversa cuja pauta não extrapolaria os limites literários.
Antes, porém, de compartilhar essa conversa, saibamos – já que muitas pessoas, inclusive mossoroenses, não o conhecem – um pouco sobre sua vida.
Raimundo Soares de Brito nasceu em Caraúbas, em 23 de abril de 1920. Desde cedo interessou-se em pesquisar, primeiro os tipos populares, depois biografias e fatos de que tomava conhecimento através dos jornais, os quais ele chama, apropriadamente, de “minhas muletas”. Já publicou quase cinqüenta obras, entre as quais se destacam Nas garras de Lampião e Apostilha do afeto: Câmara Cascudo (Cartas a Raimundo Nonato), ambas editadas pela Coleção Mossoroense, comandada pelo também incansável professor Vingt-Un Rosado. É cidadão mossoroense, dr. Honoris Causa da UFRN e está na iminência de receber, neste 23 de abril, o título de cidadão natalense.
Transcrevemos, a seguir, a entrevista gentilmente cedida pelo pesquisador e pelo seu secretário Misherlany Gouthier aos editores do Clandestino:

JORNAL CLANDESTINO: O que o senhor tem a dizer acerca de seu último livro sobre os patronos de ruas de Mossoró?
RAIMUNDO SOARES: Eu acho que essa é a última resposta que eu quero falar. Porque esse livro tem me dado um trabalho muito grande e é talvez com ele que eu vou encerrar minha carreira. Eu não tenho vontade de publicar livros; eu tenho mais vontade de escrever, guardar... Não tenho pressa em escrever.

JC: Há quantos anos o senhor vem trabalhando com esse livro?
RS: Há mais de quarenta anos. Pesquisando... Alguém pode perguntar se é muito tempo. É muito tempo, mas para um trabalho desse eu acho pouco, ainda. Acho pouco porque todos os dias estão surgindo novas ruas. Quando eu comecei a escrever esse livro, quais as estatísticas das ruas, Misherlany?
MG: Havia pouco mais de cem ruas.
RS: E hoje, são quantas?
MG: São quase duas mil ruas.
RS: Duas mil ruas... Aí vemos a evolução da cidade, como ela cresceu e como vem crescendo. Todos os dias são novas ruas, novos bairros. É um serviço muito grande, mas para mim, que gosto do assunto, é um passatempo. Se eu terminar de escrever e publicar, para mim perdeu a graça. Eu perco o meu divertimento.

JC: Nesse caso, a História é, para o senhor, um divertimento?
RS: É um divertimento, um passatempo! É um hobby, porque aquilo que a gente faz com prazer é o que é bom. Às vezes me perguntam: “Por que o senhor escreve tanto?” e eu não sei responder. Só sei dizer que escrevo por prazer. Se fosse por dinheiro, eu não escreveria, não.

JC: E o seu livro sobre a Academia Mossoroense de Letras?
RS: è outro que já está quase concluído.

JC: O senhor acha que esse livro é uma obra crucial para a Academia?
RS: Não, eu não diria isso. Eu digo o seguinte: é essencial para quem quer conhecer a literatura do Rio Grande do Norte, conhecer as pessoas e os literatos, porque nele está contada a história dos patronos e acadêmicos, toda a história literária da Academia. Aliás, não só da Academia, mas do Rio Grande do Norte, porque uma vez que eu falo sobre um patrono ( não estou falando dos acadêmicos, mas dos patronos, dos que já morreram), a história dele, quem foi ele, quantas obras publicou, eu estou dando informações para quem quer conhecer a literatura.

JC: Qual o processo que o senhor usa para arquivar as suas obras e as suas pesquisas? Como o senhor maneja tanto material?
RS: É outra pergunta difícil de responder, porque eu levei a vida – até ontem, vamos dizer assim – a juntar papel, a escrever, a rabiscar, a anotar... Só acumulando. Hoje, eu estou fazendo uma revisão em tudo isso, selecionando, juntando e organizando por assunto. São muitos anos de juntar papel, de anotar... Estamos organizando os assuntos em ordem alfabética.

JC: O senhor tem, em média, quantos arquivos?
RS: Mais de quinze mil arquivos, incluindo pessoas, cidades... História compreende fatos e pessoas.

JC: Há mais arquivos de pessoas ou de fatos?
RS: Há mais biografias.

JC: O senhor tem arquivo de algum de nós que estamos aqui?
RS: É possível.

JC: Pensemos na seguinte suposição: se um dia o senhor chegar a se impossibilitar de trabalhar com a história, qual o destino do seu arquivo? O que será do seu arquivo, se o senhor chegar a cansar, a não poder mais?
RS: Essa pergunta, além de difícil, é dolorosa, porque uma coisa que me preocupa muito é esse monte de papel que eu tenho aí. Às vezes, eu fico pensando: será que quando eu morrer, as traças vão comer?

JC: Mas, hoje em dia, não há nenhum órgão público que queira ajudar o senhor, catalogando esse material? Ninguém lhe procurou para criar um espaço ou se manifestou em relação a isso?
RS: É muito difícil. Existem alguns planos. Por exemplo, na minha família já existe alguma coisa. A minha filha está ciente do valor que eu dou a essa papelada. Ela sabe disso e já me garantiu que eu não tivesse cuidado, pois ela tomaria de conta disso tudo. É tanto que eu não tenho muita pressa em escrever, porque eu devo deixar muitos trabalhos inéditos.

JC: E a sua relação com os intelectuais de Mossoró? O senhor poderia falar mais sobre isso?
RS: Não, a minha relação com eles é boa, muito boa.

JC: O senhor se considera um escritor?
RS: Eu? Não.

JC: Por quê?
RS: Me chamam de escritor, mas eu acho o termo muito pesado. É uma responsabilidade muito grande para mim. Não me considero escritor. Para mim, escritor é o homem que vive do que escreve, os profissionais. Eu, eu sou um diletante. Agora, pesquisador eu sou. Esse título eu não dou nem a você nem a ninguém, porque esse eu tenho. Durante vinte e quatro horas por dia, eu estou pesquisando. Quando vocês chegaram, eu estava pesquisando lá dentro, sozinho, organizando, revisando coisas. E quando vocês saírem daqui, eu vou para lá, continuar o meu serviço. Quer dizer, essa é que é a minha vida, diariamente. E faço isso com satisfação, com prazer. Se fosse por obrigação, eu não faria. Faço porque gosto.

JC: O senhor tem duas obras que estão em andamento. Mas, segredando, existe alguma coisa guardada, com exceção desses dois livros?
RS: Eu mando esse rapaz responder, porque ele está acompanhando tudo.
MG:  Ele tem três volumes de livros de memórias, um sobre a história da Medicina no Rio Grande do Norte, um sobre os parlamentares norte-rio-grandenses, um sobre tipos populares e outros mais.
RS: Na cidade onde eu nasci, eu conheci os primeiros tipos populares. Foi quando eu tomei interesse. Por onde eu ando, Natal, Mossoró, Fortaleza, eu vou escutando e sempre fazendo anotações sobre os tipos populares.

JC: Então, a sua paixão pela pesquisa vem desde muito cedo?
RS: Sim, desde muito cedo.

Logo após, o pesquisador nos convidou para conhecer seus arquivos, seu ambiente de trabalho. Apresentou-nos Eu, ego e os outros, o livro sobre os tipos populares, e Páginas arrancadas, obra de memórias. Referindo-se a um fato curioso – o de que esperou 40 anos para dar uma informação a uma conhecida, o que mostra sua implacável paciência – disse-nos: “A História espera. Tudo tem seu devido momento.” ... E haja emoção! Emoção esta que será ainda maior quando todos souberem valorizar os grandes homens de sua terra, mirando-se no exemplo que eles têm dado a tantas gerações.

Entrevista publicada em abril de 2003, no número 6 do jornal Clandestino, com colaboração de Kalliane Sibelli de Amorim e Misherlany Goutier.

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